Conversa informal entre Lucas Bambozzi e Christine Mello, sobre o site meta4walls, Internet, spam e intenções ligadas ao uso da web para fins artísticos
São Paulo 02/02/2002
o projeto “Meta4walls” foi apresentado na 25ª Bienal Internacional de São Paulo, em área especial voltada à net-arte, curada por Christine Mello e Rudolf Frieling (Alemanha)
http://www.comum.com/diphusa/meta
Christine Mello: Explique o projeto deste site, o Meta4walls
Lucas Bambozzi: A idéia do site é transpor para um trabalho de web, parte de uma pesquisa que conecta mecanismos intrusivos de vários tipos: coisas que vem acontecendo na Internet através dos sistemas de cartão de crédito, procedimentos de seguro saúde, seguro de vida, profusão de webcams e muitos procedimentos de ‘bisbilhotagem’. Principalmente aqueles procedimentos ligados a um contexto que eu vinha observando na Inglaterra ao longo dessa pesquisa, ao que eu vinha fazendo por lá, na condição de artista residente no centro de “CaiiA-Star”. Como eu já havia desenvolvido e planejado teoricamente uma instalação que trataria de alguns aspectos ligados a essa vigilância (a perda de privacidade nos dias de hoje e como essa perda de privacidade vem sendo sentida e vem acontecendo principalmente através da Internet, um espaço público, onde as pessoas expõem situações privadas também), eu pensava, desde o início da pesquisa, em fazer vertentes, projetos que acontecessem na própria Internet, que não fossem uma instalação ou vídeo, mas tratar do que eu venho observando e devolver isso para o ambiente de onde veio, que o engendrou, e que é onde essa coisa toda está mais efervescente. Então eu considero esse projeto um protótipo, uma primeira tentativa, um esboço de outros projetos que podem vir nessa mesma linha.
O tema da vigilância voltou à tona, depois de já ter estado na moda em vários momentos, e mais recentemente, de uma forma bem nítida, na Europa e Inglaterra a partir de 2000/01. Os motivos são vários: um deles é o fato das leis terem sido modificadas para permitir que o Estado e as autoridades utilizem a Internet como forma de exercer práticas, ações, que eles já vinham fazendo com tecnologias mais antigas. Então, essa foi a desculpa que foi dada aos usuários como forma de entrar na vida deles: – a polícia e as autoridades têm que se atualizar, que utilizar métodos que são compatíveis com os métodos dos criminosos hoje. Os criminosos hoje usam a Internet para o terrorismo e pedofilia e a polícia teria que ter sob controle esse ambiente também. Algumas leis foram modificadas nesse sentido, para permitir uma intrusão maior e várias coisas passaram a acontecer, como provedores instalando sistemas de triagem do fluxo de comunicação. Coisas que antes não era permitido por lei, passaram a ser não só permitido como obrigatório. Isso gerou uma certa reação de grupos políticos ou artistas fazendo trabalhos e propostas questionando essas leis. Isso aconteceu em vários níveis. Exemplos: uma revista que se chama “MUTE magazine” que sempre divulgava projetos de arte ligados à política, passou a abordar sistematicamente a vigilância, por exemplo; o ZKM na Alemanha, promoveu no ano passado um prêmio, que eles conferem anualmente e que geralmente é temático (em 2000 o tema foi Cidades e Metrópoles) em 2001 foi “Control Space”, que são duas teclas do computador (ctrl + space bar), mas também se refere ao controle do espaço (virtual e atual). O ZKM, que é essa instituição bem respeitada no mundo das artes digitais, incentivou muito a criação de trabalhos nessa linha. Eu infelizmente perdi o deadline para inscrever este trabalho no ZKM, mas acabei sendo um pouco motivado também, já que eu já vinha trabalhando questões ligadas ao público e ao privado. Eu me senti um pouco na obrigação de fazer algo conectado e adaptado à Internet, e não só dar continuidade ao que eu vinha desenvolvendo antes, que era uma instalação. Então, um dos aspectos é esse: são vários os motivos e há uma ambiente de discussões em torno das questões envolvidas pelo tema.
Outro aspecto é o seguinte: esse trabalho [meta4walls] é resultado de uma coleção de “junk-mail”, de e-mails que a gente recebe de forma meio indevida. São um retrato possível de invasão de privacidade, considerando o computador um instrumento de armazenamento de informações pessoais onde a princípio você deveria poder escolher o que entra e o que sai, o que você guarda. Como sua gaveta, seu armário ou guarda roupas.
Christine Mello: Como um rastro de onde você anda?
Lucas: Não apenas. A princípio você só passa a receber e.mails ligados a site pornôs se você passou por um site pornô. Mas, eu recebo também coisas sobre conserto de cadeira, diploma universitário, viagra, financiamento de casa própria, sendo que eu nunca entrei em nenhum desses sites. Há cruzamentos indevidos de informações pessoais.
Existem sistemas de vários tipos, por exemplo, ligados a cartões de crédito e há uma venda de informação por parte de uma instituição à qual você pertence, na qual você se cadastrou. E essa empresa passa essa informação para outras, sem pedir autorização. Mas, existem coisas mais perversas, por exemplo, geradores de endereços eletrônicos, a partir de um provedor como “Hotmail.com”, é fácil você criar um programa que gere [email protected], [email protected], [email protected], albertino, albertina, etc… , que vai gerando uma lógica de nomes que estariam em frente do @ formando um endereço, que pode ser válido ou não. Fazem um dicionário de nomes. Geralmente esses e.mails permitem que você se descadastre: “se você não deseja mais receber essas informações, clique aqui”. Isso é tão perverso que muitas vezes você clicando ali, aquilo é o ‘ok’ que faltava. Você está simplesmente legitimando aquele nome. Isto pode não acontecer se você não responder. Depois de um tempo, pode ser que eles parem de emitir e.mails para aquele endereço que pode não existir. Na medida em que você dá o “reply”, você diz: esse existe e se ele existe, ele passa a fazer parte de uma lista imensa.
Não há quem não tenha recebido algum e.mail contando alguma forma de enriquecer pela Internet ou como trabalhar em casa usando o seu computador. Uma das formas de trabalhar em casa, usando computador, é gerando SPAM. O trabalho consiste muitas vezes em você gerar e/ou buscar endereços. Você se cadastra com um nome diferente, um nome não existente ou número [email protected] e através desse nome você gera o máximo de SPAM de e.mails possíveis ligados a um determinado produto. SPAM é o envio não autorizado de e.mails, a invasão de sua caixa postal, você recebeu um e.mail que você não solicitou, isso é considerado um SPAM. Uma dessas formas de venda hoje, de obtenção de lucro na Internet, é através de SPAM. A lógica é a seguinte, se você mandou uma mala direta para 10 milhões de pessoas e você tiver um retorno de 0,01% , você teve lucro. O envio de e.mails para 1, 5, 10, 40 milhões de pessoas é cada vez mais barato e é feito através dessa espécie de rede de SPAMers, de geradores de SPAM que se cadastram com um endereço que vai existir só naquele momento do envio, depois ele é esquecido, deixado para traz. É uma corrente sem fim. Pessoas que como eu, tem um endereço há cinco anos estão fadadas a receber SPAM numa ordem crescente e absurda. Pessoas que vendem CDs com endereços eletrônicos vendem a 10, 5 dólares um CD com 15 milhões de endereços. Alguém quer vender um remédio, financiamento, seguros, um produto qualquer na Internet, ele acaba usando esses CDs. Não têm nada a perder, principalmente se esse meio foi gerado por um anônimo, porque se foi gerado por uma companhia conhecida, ela pode ser processada. É uma coisa bem complexa.
Encerrando tudo isso, meu trabalho se apropria desse contexto. Esse contexto de “vale tudo” na Internet, de selvageria, de envio indiscriminado de produtos e ofertas de coisas cada vez mais bizarras. Isso é o conteúdo do trabalho, como forma de criar uma espécie de meta-conteúdo e meta-invasão. Supostamente essa meta-invasão seria capaz de gerar uma espécie de conscientização, ou pelo menos, proporcionar um olhar crítico na pessoa, fazer a pessoa se dar conta desse mecanismo. Eu acho que essa é a função da net art hoje, criar visibilidade, apontar coisas, direcionar a atenção. Não há nada inédito colocado na Internet. A Internet utiliza todo um suporte que vem de várias outras mídias, vem do videogame, do vídeo, do cinema, do texto, do hipertexto, de coisas que já estavam por aí. A Internet teve o poder de fazer convergir isso tudo e ao mesmo tempo de tirar a visibilidade de tudo. Ao mesmo tempo em que tudo existe na Internet, fica cada vez mais difícil de encontrar aquilo que interessa ou produz alguma emoção, aquilo que toca, aquilo que diz e comunica. Eu acho que uma das funções que me interessam (se não é uma função, pelo menos é uma coisa que me interessa muito): é apontar e direcionar a atenção. A visibilidade é um grande problema na Internet, inclusive para o comércio, para o e-business. As pessoas fazem SPAM para tornar um produto visível, para chamar atenção, uma bandeirinha, um tipo de banner. Quem conseguir alguma visibilidade na Internet, consegue em muitos casos ficar muito rico. Então é uma espécie de guerra pela visibilidade.
Este trabalho, no que ele consiste? Consiste na criação de um portal onde estariam reunidas todas essas coisas bizarras. Só que esse portal, a princípio teria de ter uma fachada, um design atraente (ao menos um pouco mais atraente do que os originais), que buscaria um público que normalmente não vai atrás desse conteúdo, ou que tem uma espécie de constrangimento em ir atrás desse conteúdo. Então, seria atraído por um viés um pouco mais “artístico”, um pouco mais ligado ao design. É uma forma de trazer o público da arte para o mundo cão, ou o público que circula no limite do site bem desenhado. Está entre o site bem desenhado (com flash e imagens dúbias, captadas na rede) e esse mundo trash. É uma pequena faixa de público, na verdade, é a faixa de público que eu convivo e que se relacionam com arte através da Internet, com vídeo através da Internet e com cinema através da Internet. Esse trabalho é uma espécie de armadilha, de arapuca pra fazer a pessoa acreditar que está indo para um site de bom gosto, mas na verdade, esse site vai levá-la para o mundo real da Internet, o mundo que eu considero real da Internet. O mundo da selvageria, da venda de qualquer coisa, do sexo, da pornografia. A pornografia montou uma estrutura absurda na Internet.
Christine Mello: É a mesma vertente que você pôs no 1+1?
L: Exato, várias pessoas irem para aquele espaço institucional seguro e se depararem com uma coisa que elas não querem ver ou que elas querem ver, mas estão constrangidas em serem vistas enquanto observam, enquanto vêem. É exatamente isso, você tocou no ponto: isso não é muito consciente da minha parte e curioso porque os trabalhos foram feito em seguida um do outro. Mas eu coleciono esses juke-mails desde 1999. E há desde aquelas mensagens: “cuidado com seus rins, pessoas podem te dar remédio, você vai cair, eles vão te seqüestrar e tirar seus rins enquanto você dorme” (um tipo de boa noite cinderela). Enfim, vários tipos de lendas da Internet: a famosa lenda da criança que sofre de uma doença rara e que você tem que mandar aquele e.mail para 20 pessoas para ajudar essa criança. Passam anos e essa criança volta. São coisas assim, que viraram um pouco lenda, como as pirâmides, a idéia de enriquecer facilmente. Isso constitui o mundo real na Internet. O fluxo disso é muito maior que o fluxo de web art, é muito maior que o fluxo de comunicação, vamos dizer, útil realmente. A futilidade na Internet é imensa.
Christine Mello: Superficialidade?
L: Eu acho até que essas coisas são profundas em um certo sentido, porque elas estão conectadas com o grosso dos usuários, o caldo mesmo dos usuários.
Christine Mello: Você fica guardando essas mensagens, como você guarda outras coisas, como você guarda imagens quando você tinha banco de imagens, como você guardou os aparelhos de barbas, crachás de hotéis?
L: Eu guardo essas mensagens, geralmente as que chamam mais atenção por serem mais estranhas, quando eu começo a receber várias vezes a mesma, passo a não guardar mais. A primeira vez que eu vi alguém oferecendo consertar cadeira através da Internet, eu guardei, porque aquilo era um tipo de business entrando na Internet de uma forma totalmente inesperada. Hoje acho mais comum haverem pessoas oferecendo para consertar sofá. Mas enfim, esse site é todo feito com material recebido, eu não produzi nenhuma imagem, são imagens que circulam na Internet e foram apropriadas, enviadas para minha caixa postal sem a minha solicitação ou autorização. Desde a imagem do Courbet, até a imagem da mulher com milho ou a imagem de um olho, tudo o que está ali foi retirado desse universo, desse lixão originado da Internet.
Não é uma forma de chocar, não faço isso assim: olha vamos criar um trabalho para chocar. Como faz muito artista (que admiro inclusive), como o Mark Queen, um cara que sempre faz trabalhos de forma a chocar o público (dentro de um contexto espefíco), como a cabeça com sangue. Mas, o que me interessa é essa hipocrisia, a suposta não aceitação social dessas coisas e como cada um lida com isso. O fato de isso trazer vida, sem dúvida, eu acho que isso é algo que move a Internet hoje. Eu acredito que quando fecho os olhos e penso como é o perfil dos usuários, independente de qualquer estatística ou pesquisa, imagino um monte de usuários trabalhando dessa forma, enviando SPAM e entrando nesse submundo. Senhas para site pornô, buscando formas de ter uma vantagem aqui, outra ali, que é o mundo real. Isso é gerado, principalmente pelos EUA, entre as classes mais ordinárias. Eles vivem muito essa coisa de como se livrar dos débitos, como obter uma renda extra, como sair da vida de assalariado, alguém que não consegue arcar com seus débitos.
A minha idéia é que hoje, nós somos influenciados por um estilo de vida, representado pelo que há de pior no “status quo” americano, e que os nossos pais questionavam em vários aspectos (ao menos os meus). Em nome da globalização estamos absorvendo um estilo de vida que não é nosso. Hoje a gente absorve muito de tudo, de uma forma muito menos perceptível. Só que acredito que através da internet a gente absorve o que realmente há de pior nesse modelo. Não é mais o sonho do carrão, mas é como fazer um financiamento para se livrar de outros financiamentos, como manejar sua dívida, como ter uma vida sexual melhor por meio de pílulas, como trepar melhor com a ajuda de manuais.
Christine Mello: Isso se revela também nesses guias de auto-ajuda. Como se você pudesse estabelecer uma vida sob controle?
L: Uma coisa assim: “venda mais”, “limpe seu crédito em 31 dias”, “esta é a revolução do comércio, entre você também”. A quantidade de e.mails que eu recebo sobre mortgages, loans (empréstimos) é impressionante. Para isso existir dessa forma tão grande, significa que existe público para isso. É isso que vem gerando esse tipo de comércio na Internet, de uma maneira estrondosa. Isso é a vida real na Internet e não adiante fechar os olhos para isso e falar: “não, isso é baixo, é o low Internet, isso não interessa a nós artistas”. Não adianta você querer entrar numa cidade como São Paulo e fechar os olhos para loucura que está aí, tem que enfrentar isso, tem que haver um enfrentamento. O tema já foi, não é a beleza que interessa ao artista há muito tempo. Então, que universo é esse que intriga, que instiga? Que matéria é essa que pode ser processada, ou que eu como artista, como indivíduo, como pessoa viva, que sofre essa tensão da cidade, o que eu posso fazer com isso? Uma coisa que eu tenho certeza, é que eu não posso fechar os olhos para isso.
Então tento uma forma de reprocessamento. No caso, um simples e singelo site. Ele aponta o dedo para essas coisas. E como eu estava falando, ele é só um protótipo.
Christine Mello: O que é a matéria desse trabalho, o que você recolheu e resolveu usar?
L: ‘Lincando’ com o que a gente estava falando, a matéria desse trabalho é a própria matéria que circula na Internet. Então, um dos temas que o trabalho arranha é a intrusão e a intrusão na Internet é proporcionada em grande parte pelos cookies. Cookies são pequenos programas que quando você entra num site, aquele site coloca algo no seu computador, que faz, entre outras coisas, que na próxima vez que você entre naquele site, você seja identificado como um usuário que voltou. Ele é uma forma de bisbilhotar o seu computador, algo que fica dentro do seu computador.
Christine Mello: Quem coloca esses cookies?
L: Os sites que você visita geram um cookie dentro do seu computador. Os browsers oferecem a opção de você recusea-lo ou aceitá-lo. Mas todo mundo opta por aceitá-los porque a funcionalidade é maior com ele.
Christine Mello: Isso tem a ver com esses programas freehand log ins [??], eles sempre pedem para por nosso e.mail?
L: Essa é uma forma de registro para você poder comunicar com o serviço gratuito deles, para registrar o numero de série do seu software. Alguns usam cookies sim. A Apple por exemplo, usa cookie para que na próxima vez que você entrar no suporte técnico, eles terem um histórico do seu problema. Geralmente você entra para procurar ajuda sobre um problema técnico, então eles já sabem qual é o seu computador, qual é o seu sistema operacional. Ao invés de te perguntarem, isso já é passado automaticamente. O cookie tem uma utilidade genial, por exemplo, você entra num site que fornece informação, um jornal, “The Times” ou “Folha de São Paulo”, e depois de um certo tempo, se você entra no mesmo site (não sei que tipo de sistemas esse que eu citei usam), se você só entra em cultura ou política, então da próxima vez, eles passam a te oferecer apenas cultura e política. É uma forma de te tratar diferenciadamente e personalizadamente. Só que é também uma coisa que está te vigiando, sabendo o que você faz.
Christine Mello: Nesse caso, você pegou isso de que jeito?
L: O trabalho utiliza em termos de tecnologia, apenas HTML básico, além de Flash.
Christine Mello: O HTML é uma linguagem?
L: O HTML é uma linguagem básica, estrutural da Internet. E utilizo Flash para incluir animações e programações, e permite animações interativas, permite criar situações randômicas, em programações mais ou menos complexas com bastante dinamismo — em um potencial que ainda não dou conta de explorar sozinho. As situações são pré-programadas e interativas em função dos clicks do usuário.
Christine Mello: Você acha que o Flash não te deixa muito próximo do que seria agir numa ilha de edição?
L: Depende. O Flash tem muitos usos, existem tipos diferentes de Flash. Tem a função do plug in, que permite que uma animação rode na sua tela. Ou permite acrescentar coisas. Por exemplo, tem uma aplicação interessante com Flash onde você partir de uma música tendo toda base dela separada. E você pode remixar a música em tempo real. Remixar, não dá para fazer isso numa ilha dessa forma que estou falando.
Christine Mello: Você falou de música, isso dá para fazer com imagem também? Criar por exemplo uma peça audiovisual que exista e está em digital e você pega tudo isso que você falou da música e remixa essa musica ao vivo?
L: Dá pra fazer com pequenos clips, por exemplo. Tem jeito de usar o flash dessa forma. No meu caso, o Flash é utilizado na programação dos caminhos possíveis. A árvore de caminhos e opções do usuário foi feita em Flash. Poderia ter sido feita em Java (que é open-source), poderia ter sido feita através de CGI’s e poderia ter sido feita com HTML.
Christine Mello: Qual é a diferença se você tivesse ido ao encontro do Java, ou do HTML, ao invés de ter ido ao encontro do Flash?
L: O Flash é um aplicativo proprietário, ates da Macromedia e agora da Adobe. Isso já tem um si um caráter ideológico, o que me incomoda. Eu preferiria utilizar uma linguagem aberta, mas não sou programador. Em termos de estrutura as coisas são intrincadas, porque por exemplo, dentro do Flash tem Java Script. Não é dentro de todo flash que tem Java, mas dentro do meu tem alguns scripts em Java. Então, é uma coisa meio intrincada. Cada vez mais a programação disso esconde o que está acontecendo exatamente com a programação em HTML. Tudo isso depois vira HTML. depois acontece em um ambiente em transito entre o servidor e o computador usuário, onde os arquivos HTML demandam os JPGs, os arquivos flash SWF e outros que estão dentro também. O Flash pode ser rodado linearmente e pode ser interrompido nessa linearidade e utilizar uma outra linearidade. Ou lincar momentos diferentes desses caminhos. No meu caso é isso, mas tem várias formas de fazer. Eu já soube o que acontecia por trás da programação. Olhando os códigos da fonte (source) de programação, em 95, 96 eu já sabia ler tudo ali. A coisa ficou muito mais complexa hoje, e eu não sei me mover muito sozinho mais. Esse pessoal (Limbomedia) que me fez a programação utilizou basicamente isso, Flash com Java Script.
Christine Mello: Esse pessoal se chama como, engenheiro?
L: São designers de programação, não são designers gráficos. No caso eles são designers mesmo inclusive porque eles são ingleses, mas você poderia falar programadores, (ou developers pra continuar no Inglês). Tem gente que não gosta de ser chamado de programador, prefere ser chamado de designer, porque a questão do designer prevê como programar, que ferramenta utilizar na programação, é realmente um desenho de programação. Tem pessoas que vão discordar de mim.
Christine Mello: Como foi a tua conversa com eles, eles iam decidindo utilizar essas ferramentas a partir do que?
L: Eu expliquei qual era a intenção. Eu não sou totalmente leigo na questão, então, como forma de explicar enviei algumas telas: olha, quero ligar isso com isso. O fato de eu ter enviado algumas telas, sugestões visuais desenhadas graficamente, sugeriram para eles utilizar essa ou outra ferramenta.
Agora voltando à idéia dos cookies, o tempo todo você está aceitando cookies que são instalados no seu computador em muitas navegações. A idéia desse projeto sempre foi uma forma de devolver ao espectador, as informações acessadas através do cookie. É a idéia de mostrar para o usuário que o sistema, que o site que ele esta visitando sabe mais sobre ele, sobre o usuário, do que ele pensa. Então, a idéia original era mostrar isso: que o cara que tivesse algum constrangimento ao entrar, ou que ele estivesse entrando de uma forma meio assustada, meio insegura, que depois tudo isso retornasse para o usuário. E eu pensei inicialmente que isso poderia acontecer na forma de um telefonema real que o sistema gerasse a parti do acesso.
Christine Mello: Que é aquilo que depois vai ter na instalação?
L: Não nessa “4Walls”. Existe um projeto futuro.
Christine Mello: Na videoinstalação?
L: Não. A videoinstalação não tem telefonema.
Christine Mello: Você falou que previa isso…
L: Previa, mas isso envolve (além de negociações impossíveis com o sistema de telefonia brasileiro) uma programação bem cara. A idéia previa que a pessoa recebesse um telefonema ou uma carta com relatório descrevendo por onde ela passeou. Porque nessas sessões de Internet, muita gente as faz de forma escondida. Escondida do chefe no trabalho, o filho escondido dos pais. Isso é um problema hoje em dia na Europa, não digo moral, mas um problema sério assim: as empresas são responsáveis pelo que os funcionários fazem quando estão on line, se um funcionário esta acessando um site de pedofilia nos computadores da rede da empresa, a empresa é punida. Então, ela tem que policiar o conteúdo do que está acontecendo nos computadores dos usuários, porque existe uma lei hoje (potencializada na cabeça dos patrões principalmente depois do 11 de setembro), na qual está previsto que se você sabe de uma atividade terrorista e não denuncia, você é tão terrorista quanto o terrorista. Se uma empresa permite que um computador dela seja usado para uma atividade ilícita, ela tem que punir quem está utilizando. Isso gerou vários desempregos na Inglaterra. É uma coisa muito séria.
Christine Mello: O caminho que a gente faz é os cookies?
L: Os cookies existem no site, e são colocados através do Flash, da programação em Java Script e alguns formulários. Isso é uma forma de dar um feedback para o usuário. O usuário depois de passear no site por m tempo, ele recebe um relatório na tela, esse relatório vem na frente de tudo que ele esta vendo e mostra, fala assim, você esta usando um computador tipo PC IBM ou Macintosh… a resolução do seu monitor…
Christine Mello: Aquelas informações que aparecem, como se chama aquilo?
Aquilo é retirado na forma de um cookie. Aquilo é um cookie instalado, enquanto você está navegando pelo site, é instalado no computador do usuário que devolve aquela informação. É uma bisbilhotagem que o meu site faz no usuário, no computador do usuário.
Christine Mello: O cookie é um recurso criativo?
L: Ele pode ser. Ao menos está sendo usado aqui, mas a principio é um recurso de coleta de informação do usuário. Por isso, a Bienal não é um ambiente exatamente propício para mostrar esse site, porque ele prevê que o usuário esteja acessando aquilo entre quatro paredes, no ambiente dele, escondido, de uma forma solitária e não em um terminal público. Isso é importante que seja explicado, e está aqui gravado para você usar no texto. O ambiente ideal desse trabalho é esse ambiente entre 4 paredes, que cada um vê meio solitariamente e que à medida em que vai navegando, vai aflorando seus desejos ou, vamos dizer, o lado mais perverso, de ir por esse mundo abissal, meio mundano e trash. Na medida em que ele se espelha e vê, ele percebe: “ops, alguém está coletando informações sobre mim, alguém sabe o que eu estou fazendo aqui”. Isso causa algum tipo de reação com relação ao sistema de vigilância.
Christine Mello: A gente pode dizer que a gente entra no trabalho, como é o processo de entrar de uma janela para outra?
L: No início ele vê uma imagem do Courbet, que é uma imagem dúbia, porque é uma mulher de pernas abertas, mas que é a também uma pintura que já foi apropriada pelo Duchamp. É uma pintura conhecida e que não é considerada obscena, mas que no contexto de um site é dúbia. Essa dubiedade é interessante, faz com que a pessoa queira saber o que esta por traz daquilo, então, na medida em que ela avança nas camadas, ela vai encontrando um nível subsequente.
Christine Mello: Essas camadas de janela?
L: De janela, de layers, ela entra numa próxima janela, já é uma mulher se enfiando um milho. A primeira vez que eu vi aquela imagem fiquei excitado. Através da excitação alguém pode ir ao próximo estágio, querendo algo do tipo: “eu quero mais disso que eu estou vendo”. Na medida em que a pessoa quer mais, ela procura ir mais adiante, e vai deixando um rastro por onde está indo. Esse rastro é devolvido para o usuário depois, que relata por onde ele passeou. Isso é uma forma de confrontar, de fazer a pessoa pensar no que é hoje a invasão de privacidade, a invasão dentro do seu proprio sistema, seu espaço privado.
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