Aconteceu entre 118 e 21 de julho o Festival ON_OFF 2013, no Itaú Cultural, que teve minha curadoria. O evento existe há 9 anos e coloca foco nas práticas mais experimentais em torno das chamadas “live-images”, performances audiovisuais, “live acts” ou cinema ao vivo como uma vertente de arte que dialoga com as tecnologias de um tempo presente.
Um dos lados interessante dessa linguagem é justamente seu caráter instável, suas confluências e possibilidades de conter também com outros meios, suportes e estéticas, expandindo os domínios do audiovisual em novas práticas.
Acredito que essa vertente vem gerando muitas possibilidades e desdobramentos no Brasil, pois trata-se de um encontro entre as tecnologias digitais e a cultura da música eletrônica que já tem bem mais de 15 anos de existência no país. É uma cena que já teve muitas fases. Talvez não seja muito comentada ou de interesse por parte dos meios mais hegemônicos, mas vem sendo uma prática apresentada e difundida por uma série de eventos que acontecem desde os anos 90 tais como: Festival Eletronika, Forum de Mídia Expandida, Festival arte.mov, Videobrasil, Live Cine, FAD, Videoataq, Multiplicidade, FILE, o recente Arranjos Experimentais. Os nomes dos artistas que fazem essa cena são muitos (não cabe cita-los aqui pois cometeria a injustiça de esquecer de algum importante) e vem se destacando nos cenários mais diversos, tanto no Brasil como no exterior.
Segue o texto de apresentação publicado no folder e a programação:
ON_OFF 2013 [INCABÍVEL]
Fora do palco, incabível
palavras-chave: unfit, sem lugar, incabível, incontível, sem cabimento, limites entre formatos
No texto de apresentação da Mostra ON_OFF de 2012, estava escrito: (…) “o espaço é dado. Todas as apresentações acontecem na Sala Itaú Cultural, notadamente um teatro”.
Há tempos, muitos se perguntam o que se pode fazer hoje a partir de uma arquitetura que pretende dar conta de formatos nem sempre confluentes, como o cinema, as apresentações musicais, o teatro e a ópera.
Pois bem, as muitas possibilidades de expressão audiovisual que encontramos hoje em dia não se encaixam sempre nesses formatos. Pensamos em confluências, em cruzamentos de linguagens, zonas de intersecção. A mostra desse ano acontece como desenrolar quase natural desse pensamento, já entranhado nas mídias. E de modos variados, sugere novas nuances para a discussão em torno das possibilidades mais limítrofes ou múltiplas de projetos audiovisuais, em formatos que cada vez mais não se encaixam em condições pré-definidas.
Assim, neste ano temos uma apresentação inicial que despersonifica o artista. O palco encontra-se vazio. A sonoridade de Novi_Sad e os visuais de Ryoichi Kurokawa são os únicos elementos percebidos diante do público. É algo sem qualquer tipo de encenação, executado em estado bruto, para os sentidos apenas. Na mesma noite, em Disorder, há um espécie de duelo entre corpo e máquina, entre movimentos físicos de um performer e mapeamentos dinâmicos produzidos por software. É uma performance em que mistura-se a ordem esperada, e já não se sabe o que é controle e o que é controlado.
No dia seguinte, temos como contraste uma ocupação massiva deste palco, tanto em termos de personagens reais como fictícios, virtuais, digitais e em streaming. O “Teatro Eletrônyco” proposto por Pedro Paulo Rocha e convidados não é o que parece ser (e muito menos um retorno ao teatro do corpo dentro de um evento tipicamente digital) mas uma experiência radical, “transmidiática” como a definem seus criadores, envolvendo diferentes linguagens: videografismo, sonoridades, poesia, teatro e intervenção urbana.
No sábado assistimos a um documentário, mas que não é exatamente isso. Os cinco integrantes do Embolex apresentam uma montagem composta por três telas de projeção e remixam o documentário Are you doing Right?, ainda inédito. O projeto problematiza as soluções e perspectivas adotadas pelas ONGs para problemas globais. Trata-se de uma apresentação que passeia pelos extremos do que vem a ser o gênero documentário e suas possibilidades de execução ao vivo. Em primeira mão, em uma degustação única.
No último dia apresenta-se finalmente no Brasil a Braun Tube Jazz Band. Novamente, contrariando os formatos mais conhecidos, não se trata exatamente do que parece ser. Não é uma banda de jazz, não é um ‘live’ típico de VJ, não há sequer a utilização de laptops. A ‘banda’ é formada por uma única pessoa, o japonês Ei Wada, que toca, com destreza incomum, as telas de um conjunto de velhas TVs de tubo. A partir de um campo eletrostático formado entre o performer e as telas, a interferência sonora é tornada imagem e vice-versa. A apresentação é em todos os aspectos um comentário sobre as várias obsolescências que tomam lugar hoje em dia, seja dentre as mídias e tecnologias de imagem e som, seja entre os formatos, gêneros e linguagens que já não cabem em definições prévias.
Reiterando as confluências, eliminando fronteiras, as apresentações se irradiam a partir de um palco que se torna metafórico, em uma coreografia influenciada por softwares, em um teatro que incorpora tecnologias absolutamente contemporâneas, em uma música que se faz com imagens e ruídos. Ha algo de “incabível” nesses formatos, como se os padrões existentes não pudessem fazer caber ou “conter” as propostas apresentadas. São projetos que acontecem nesse terreno do “sem lugar”. Juntas, no ON_OFF, essas experiências se somam também como forma de modular os sentidos em uma potência coletiva, que ecoa nas paredes do auditório para além do que representam as convenções do espaço.
lucas bambozzi . curadoria ON_OFF 2013
ON_OFF: PROGRAMAÇÃO:
DISORDER – CENC (SUÍÇA)
18 de julho . 20h00
O projeto representa um embate entre coreografia, algoritmos de detecção de movimentos e computação generativa. Inspirado em formas da natureza e acontecimentos visuais que levam a situações caóticas e tensas, Disorder propõe situações de interação e sincronismo absoluto, em que não se pode precisar se as imagens definem a atuação do corpo ou se o corpo dispara os fluxos visuais.
SIRENS – NOVI_SAD + RYOICHI KUROKAWA (GRÉCIA + JAPÃO)
Resultado da colaboração entre o grego Novi_sad e o japonês Ryoichi Kurokawa, Sirens é uma peça audiovisual que sintetiza a produção de ambos nos últimos anos. O trabalho parte de análises quantitativas de diferentes informações sonoras, provocando um resultado que é alterado por dados associados às quedas de bolsas de valores ao redor do mundo. Os sofisticados visuais criados por Kurokawa para Sirens fluem de formas abstratas para figuras inesperadas, em pulsação constante, potencializada pelos soundscapes de Novi_Sad, em sua intenção de “levar a ver” (donner a voir) por meio de suas sonoridades. O ambiente sonoro-visual resulta em uma experiência visceral e cerebral ao mesmo tempo, que vem sendo descrita como “uma completa rendição dos sentidos”.
Sirens vem sendo apresentada tanto como uma peça audiovisual quanto na forma de concerto (versão apresentada durante o ON_OFF, conduzida por Novi_sad, codinome do artista Thanasis Kaproulias).
ARE WE DOING RIGHT? REMIX – EMBOLEX E MARIA FARINHA FILMES [PROJETO INÉDITO, CRIADO PARA O ON_OFF] (BRASIL)
19 de julho . 20h00
Versão live do projeto de documentário Are We Doing Right?, que trata das formas de atuação política no mundo contemporâneo, em especial das ONGs. A necessidade de utopias no contexto atual gera organizações que prometem substituir o Estado, mas essa tarefa não é fácil. As ONGs surgem como uma resposta a uma suposta necessidade humana de prosseguir em direção a mudanças estruturais, o que inclui a reinvenção da esquerda tradicional em um pensamento político para o nosso tempo.
O Embolex, um dos mais consistentes grupos entre os que deram início à cena de live images no Brasil, se apresenta no ON_OFF em sua formação mais recente, com os integrantes Fernão Ciampa, Sylvio Ekman, Erico Theobaldo, Cristian Bueno e Pedro Angeli. O projeto de documentário televisivo Are We Doing Right? é produzido pela Maria Farinha Filmes, tendo como diretores Julio Mattos, Coraci Roriz e Juliana Borges.
KAPSULA ZERO! – ATTRAKTOR ZEROS [PROJETO INÉDITO, CRIADO PARA O ON_OFF] (BRASIL)
20 de julho . 20h00
A performance se enquadra na vertente do teatro eletrônico-sensorial concebido coletivamente pelo grupo recém-criado Attraktor Zeros, que emprega personagens virtuais e reais em ações que não se limitam ao espaço da apresentação. Através de processos de ocupação e intervenção na cidade e na web (em transmissões ao vivo da rua para o espaço da apresentação), o grupo propõe jogos, cenas e situações realizadas em rede, criando intervenções em contínua transformação-improvisação, mixando conteúdos da hiperficção e da cidade. Segundo os Attraktor Zeros, é “o virtual e o urbano em curto-circuito ‘hacker’, constantemente hibridizados no entrelaçamento de corpos-máquinas e o instante presente”.
Attraktor Zeros é formado por Pedro Paulo Rocha, Marcela Lucatelli, Wilson Sukorski, Caleb Mascarenhas, Rita Wu, Paulo inFluxus, Juliana Galdino, Roberto Alvim, Lirinha e Paloma Kliss.
BRAUN TUBE JAZZ BAND – EI WADA (JAPÃO)
21 de julho . 20h00
É uma performance-instalação na qual o artista produz sonoridades e ritmos ao tocar as telas de TVs de tubo (conhecidas em vários países através da marca Braun). O som acontece por meio de sensores óticos, manipulação de fitas VHS e, sobretudo, através dos campos eletromagnéticos produzidos entre as telas e as suas mãos. Como instrumentos de percussão ou na forma de um teremim improvisado, Ei Wada utiliza as TVs de forma inesperada, criando uma sequência rítmica contagiante, que é também um comentário bem-humorado sobre a crescente obsolescência em torno dos meios audiovisuais nas últimas décadas.
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