texto curatorial:
Som e imagem em busca de um sentido completo.
As experiências com manipulação de imagens em movimento têm uma história que antecede muito o contexto atual. Mas foi o recente encontro com os aparatos digitais que permitiu ao vídeo e ao cinema o exercício mais radical de possibilidades de reprodução, sampleagem, processamento e associações entre imagem e som. Passaram a fazer parte do campo das imagens, os códigos e informações numéricas que podem adquirir inúmeras e novas formas de representação. Tais confluências dos procedimentos digitais com os fenômenos que envolvem a cultura da música eletrônica mudaram de fato alguns paradigmas da imagem em movimento.
Esse encontro entre as tecnologias digitais e a cultura da música eletrônica tem cerca de 15 anos de existência no Brasil. Foi a partir desse contexto que surgiu a cena em torno do que passou a ser chamado de VJing, videoperformance e live act ou cinema ao vivo. É uma cena que já teve muitas fases. Houve momentos de euforia pela novidade, entendimento das linguagens envolvidas, conquista de espaços e definição de circuitos e campos de atuação.
Passados os tempos de afirmação de pioneirismos, já temos uma história mais ou menos bem contada. Por um lado, a prática se profissionalizou e clarearam-se as vertentes de atuação. Houve festas (muitas), lançamentos de compilações, fóruns, listas de discussão, websites, cursos e oficinas. Por outro lado, surgiram novos circuitos, entrecruzando linguagens.
E, assim, nos referimos a um conjunto de experiências audiovisuais ou de espetáculos multimídia que têm sempre algo a ver com outras práticas. Se as definições são quase sempre antiquadas (tudo que se associa ao termo multimídia, por exemplo, tem algo de cafona) são as imprecisões das mesmas que tornam essa cena sempre carregada de possibilidades interessantes. Ou seja, aquilo que não é exatamente o veejaying ou o cinema ao vivo é sempre mais inquietante do que o que se acomoda nesses termos.
Para o On_Off deste ano foram escolhidas algumas dessas propostas difíceis de serem situadas num campo de práticas mais precisas, seja em torno do audiovisual, seja das próprias práticas envolvidas pelas live images. Vale dizer que a maioria dos nomes que marcaram as cenas mais específicas e as mais expandidas desses circuitos, já passaram pelo evento, em seus oito anos de existência. Não repetir nomes seria difícil. O recorte definido aponta exatamente para as regiões indefinidas. Próximas do conceito de ruído, tanto da imagem quanto do som, os projetos buscam na distorção, no erro ou nos glitches [falha de sistema] aquilo que permeia a comunicação e a torna imprecisa, mas que podem ser desejáveis no ambiente da música, do cinema e da arte.
Nessa linha, os Antivjs apresentam um espetáculo criado com o mexicano Murcof. Juntos, abrem a mostra com uma obra densa, permeada de ruídos eletrostáticos, mas, ao mesmo tempo, melódica, mínima e apoteótica, sugerindo uma linha a partir da qual variam as demais apresentações. O encerramento fica a cargo de um projeto inédito criado para a On_Off pelo grupo Cão, formado por conhecidos nomes tanto das artes visuais como da performance. O grupo LigaLingha se apresenta pela primeira vez em São Paulo trazendo instrumentos desenhados pelos próprios integrantes e interações e improvisos utilizando interfaces digitais. Caio Fazolin traz Equações, que valendo-se de padrões matemáticos precisos e simples, resulta em ruídos visuais e sonoros intensos. Já o uruguaio Brian Mckern vem à mostra com uma nova versão de Temporal de Santa Rosa, apresentação baseada em interferências elétricas causadas por tempestades.
Do conjunto das apresentações, pode-se falar de uma proximidade entre ruído e sensorialidade, aliterando imagens e sons na essência do que pode ser o cinemático na forma de espetáculo – no que a ideia de espetáculo ainda pode conter de interessante. Ao promover a relação entre planos sensoriais diferentes se configuram como experiências sinestésicas, em possibilidades distintas de atravessamento dos sentidos.
Nas atrações da On_Off, o espaço é dado. Todas as apresentações acontecem na Sala Itaú Cultural, notadamente um teatro. Ainda há muito que se pode fazer dentro dessa arquitetura que se criou como estratégia para aproximar o cinema do público do teatro e da ópera. Potencializando as confluências, as apresentações se fazem também como forma de modular os sentidos estendida a muitos, coletivamente, em um único espaço.
Lucas Bambozzi
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