Multidão 3 Maré . 2013

Um plano-síntese que permite leituras múltiplas: o fluxo de trabalhadores na região, o embate entre os locais e os visitantes, questões entre o individual e o coletivo, o perfil indefinido de uma multidão.

A instalação Multidão (versão 3) fez parte da Exposição Travessias 2, realizada no Complexo da Maré no Rio de Janeiro, entre abril e junho de 2013. As imagens foram gravadas dois dias antes da exposição abrir, buscando aproveitar o envolvimento da comunidade em torno do que a exposição representa para eles. A cena foi feita com 50 pessoas e foi discutida em profundidade com os participantes, produtores, moradores e integrantes do Observatorio de Favelas,

Da forma como foi pensado, Multidão comenta a própria condição da exposição na favela, na medida em que explicita os olhares curiosos de estrangeiros, possíveis especuladores e visitantes eventuais, advindos da zona sul da cidade (foram mais de 1000 pessoas na abertura, dentre artistas e atores de televisão e cinema). A ideia foi representar a indagação dos moradores locais por esse interesse pela favela – com uma postura que pode ser percebida a partir de falas, olhares e gestos.

Nesse sentido, a cena/ação/atuação é totalmente diferente das versões anteriores (e como outros trabalhos meus, tem algo de “específico do contexto”, pois são pensado no local de/para onde foi produzido).

O trabalho aponta algumas dicotomias conhecidas, entre a arte que vem de fora do contexto local e a que surge ali dentro, a operação de pacificação que começa a acontecer ali, com um certo ativismo “posado” que esta sendo discutido no Rio e em todo o Brasil.

A encenação foi pensada no sentido de reiterar a dignididade, a altivez, a identidade de cada um dentro de uma pequena multidão. Esses pontos e detalhes foram devidamente discutidos com os envolvidos em um encontro promovido pela produção da exposição no Observatório da Maré, com apoio das oficinas ESPOCC (Escola Popular de Comunicação Crítica).

Descrição da cena/ação:

Início de noite na rua. Um pequeno grupo se forma. São umas 15 pessoas, talvez passantes, pessoas que trabalham na rua e se juntam, olhando em direção à câmera. São pessoas do bairro, estão à vontade no ambiente. Eles estranham a câmera ou o que ela faz ali, o que ela representa, mas sem maiores alvoroços. Essa pequena movimentação atrai outros passantes, e mais pessoas se juntam ao grupo, até formarem uma pequena multidão. Em menos de 2 minutos temos umas 50 pessoas, tentando entender o que se passa diante delas.

Aos poucos, alguns se sobressaem, dão um meio passo à frente, e encaram a câmera de forma um pouco mais inquisitiva, como se perguntassem, “o que vocês estão fazendo aqui?”. Ainda não há perguntas, apenas olhares e expressões que nos mostram: eles estão em casa, à vontade. Mas parece que a câmera [ou todos nós, que estamos atrás dela], incomodam os que estão ali. Eles tem a consciência de que são um grupo, trocam olhares, gesticulam, falam entre si, e nos encaram mais de frente, de forma cada vez mais interrogativa. Apesar de parecerem nos intimidar, não avançam em direção à câmera, percebemos talvez, no máximo, um passo a mais em nossa direção.

Em um momento, vemos três ou quatro deles se exaltarem. Parecem dizer algo, parecem gritar, quase ameaçador, ficam nervosos. Talvez não nos queiram mesmo ali.

Há uma dúvida sobre o que acontece, entre eles e entre nós. Olham para o fundo, acima da câmera. Persiste um olhar interrogativo, desconfiado e desafiador. Sentimos a cumplicidade entre eles. Em um momento estão sérios, em outros riem do que estão vendo. Percebemos essas oscilações. É isso o que vemos, mesmo que não seja visível.

Após algum tempo, alguns convidam outros para irem embora. Alguns puxam outros, estreitando a cumplicidade. Aos poucos, eles vão nos ignorando, mesmo que lancem olhares desconfiados para a câmera. E os grupos vão se desfazendo, a multidão se dispersa. Até que tudo recomeça.